Volumes são substituídos
por cópias quase perfeitas; prejuízo total já chega a US$ 2,6 milhões
Leonardo Leite,
Mayani Caldas e
Pedro Renato.
Fonte: oglobo.com
Em 03/05/2024
Krista Auru, diretora da biblioteca em Tartu, Estônia, vê 1ª edição de "Almas mortas", de Gógol; 8 livros furtados Imagem: oglobo.com |
Em abril de 2022, logo após a
Rússia invadir a Ucrânia, dois homens chegaram à Biblioteca da Universidade de
Tartu, na Estônia. Eles disseram aos bibliotecários que eram ucranianos fugindo
da guerra e pediram para consultar edições do século XIX de obras de Alexander
Púchkin (1799-1837), o poeta nacional da Rússia, e Nikolai Gogol (1809-1852),
pois queriam se candidatar a uma bolsa de estudos nos EUA. Ansiosos para
ajudar, os funcionários concordaram. Os homens passaram dez dias estudando os
livros.
Quatro meses depois, durante uma
checagem anual do acervo, a biblioteca descobriu que oito livros que os homens
haviam consultado haviam desaparecido, substituídos por fac-símiles tão fiéis
que só olhos experientes poderiam diferenciá-los.
— Foi terrível — disse Krista Aru,
diretora da biblioteca. — Eles tinham uma história muito boa.
A princípio, parecia um caso
isolado. Mas não foi. A Europol está agora investigando o que acredita ser uma
série vasta e coordenada de roubos de livros russos raros do século XIX —
principalmente primeiras edições de Púchkin — de bibliotecas em toda a Europa.
Cópias que iludem
Desde 2022, mais de 170 livros
avaliados em mais de US$ 2,6 milhões (R$ 13,2 milhões), de acordo com a
Europol, desapareceram de bibliotecas em Letônia, Lituânia, Alemanha,
Finlândia, França, Suíça e República Tcheca. A biblioteca da Universidade de
Varsóvia, na Polônia, foi a mais atingida, com 78 livros surrupiados.
Os livros valem de dezenas a
centenas de milhares de dólares cada. Na maioria dos casos, os originais foram
substituídos por cópias de alta qualidade que imitavam até mesmo as manchas —
sinal de uma operação sofisticada.
O desaparecimento de tantos livros
do mesmo tipo em tantos países em um período relativamente curto não tem
precedentes, disseram os especialistas. Os roubos levaram as bibliotecas a
aumentar a segurança e colocaram os comerciantes em alerta máximo sobre a
procedência dos livros russos.
De acordo com a Europol, as
autoridades prenderam nove pessoas em conexão com os roubos. Quatro delas foram
detidas na Geórgia no final de abril, juntamente com mais de 150 livros. Em
novembro, a polícia francesa colocou três suspeitos sob custódia. Outro homem
foi condenado na Estônia e um quinto suspeito está preso na Lituânia.
Quadrilha
As autoridades por trás da Operação
Púchkin pintam um quadro de uma rede de associados, alguns parentes de sangue,
viajando pela Europa de ônibus com cartões de biblioteca, às vezes sob nomes
falsos, para procurar livros russos raros, fazer cópias de alta qualidade e
depois trocá-las pelos originais, conforme revelam os arquivos do caso
analisados pelo New York Times.
É um mercado pequeno, com
relativamente poucos livros e colecionadores que geralmente têm uma lista das
obras que desejam, dizem os negociantes.
As sanções ocidentais impostas após
a invasão da Ucrânia pela Rússia proíbem os comerciantes do Ocidente de vender
para residentes da Rússia, alimentando um mercado paralelo existente para
livros raros.
Nesse mercado, as vendas geralmente
são conduzidas de forma privada por intermediários, com transações em dinheiro
que são difíceis de rastrear, dizem os negociantes.
As bibliotecas são alvos fáceis
para os ladrões porque têm o objetivo de servir ao público; muitas vezes, elas
não têm a mesma segurança que os museus e outras instituições com obras
valiosas.
— É fácil saber quais livros as
pessoas querem, seus valores e, sim, obtê-los — disse Pierre-Yves Guillemet,
negociante em Londres especializado em livros raros russos.
Guillemet e outros negociantes
disseram que seria improvável que os livros russos roubados de bibliotecas
europeias aparecessem em leilões oficiais no Ocidente. A Liga Internacional de
Livreiros Antiquários, uma organização comercial, listou muitos dos recentes
roubos de bibliotecas em uma lista em seu site.
Angus O’Neill, vice-presidente e
diretor de segurança do grupo, disse que a organização estava em contato
regular com a Europol para informar seus membros sobre os roubos.
“Os livreiros são aconselhados a
serem cautelosos”, escreveu a Biblioteca Estadual de Berlim no Registro de
Livros Perdidos, listando os cinco livros russos que haviam sido surrupiados,
com um valor total de seis dígitos.
Absorver tantos volumes roubados no
mercado relativamente pequeno de livros russos pode ser difícil.
— Mas esses são os livros mais
famosos da Rússia — disse Guillemet. — São atraentes não apenas para
colecionadores experientes, mas também para ricos que os veem como troféus.
A Europol disse que alguns dos
livros roubados já haviam sido vendidos por casas de leilão em Moscou e São
Petersburgo, na Rússia, “tornando-os efetivamente irrecuperáveis”. A agência
não revelou quais livros, citando a investigação em andamento.
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